sábado, 2 de fevereiro de 2013

Eutanásia


Ó Pai, porque me destes esses olhos

Que nunca se acostumarão a ver esse mundo

Olhos que choram  fome

Ó Pai, porque me destes essa voz

Que não pode cantar senão a tristeza da verdade

Há uma foto do morto no jornal Pai, e ele nem tinha ideais

Ah Pai... que tempos são esses...

Que ausência é essa entre os meus

Os ventres sentem frio, porque é assim que nos dói a solidão

Estamos voltando a ser quadrúpedes

De cansaço e medo

Vejo a  multidão de encurvados,  querendo tocar as mãos no chão

É medo Pai, medo do nada

Medo de tudo

Ah Pai porque não me fizeste burro o bastante

Não sei se posso continuar

Não há cura pra mim nesse mundo


E eu não posso dormir em paz, não assim

Há outros que não dormem Pai

De tanto barulho fora deles, como dentro de mim

Me deixaste de espectadora Pai, que queres ?

Me castigar? Porque me destes mãos tão finas Pai?

São mãos de princesa, não de combatente

Me deixaste na linha de fogo, sem que eu possa ser atingida

Como um fantasma

Não me vêem, mas morrem na minha frente

E sangram, e sofrem

E eu não posso sangrar por eles!

Não Pai, você não sabe o que é isso

Corpos murchos, almas ocas

Que mundo zumbi, que carência...

Que calma crueldade tem sido o nosso tempo

No fundo eu sei que qualquer hora

Aparece um menino com um recado teu

E ele dirá que tu não vens...

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