Ó Pai, porque me destes esses olhos
Que nunca se acostumarão a ver esse mundo
Olhos que choram
fome
Ó Pai, porque me destes essa voz
Que não pode cantar senão a tristeza da verdade
Há uma foto do morto no jornal Pai, e ele nem tinha
ideais
Ah Pai... que tempos são esses...
Que ausência é essa entre os meus
Os ventres sentem frio, porque é assim que nos dói a
solidão
Estamos voltando a ser quadrúpedes
De cansaço e medo
Vejo a
multidão de encurvados, querendo
tocar as mãos no chão
É medo Pai, medo do nada
Medo de tudo
Ah Pai porque não me fizeste burro o bastante
Não sei se posso continuar
Não há cura pra mim nesse mundo
E eu não posso dormir em paz, não assim
Há outros que não dormem Pai
De tanto barulho fora deles, como dentro de mim
Me deixaste de espectadora Pai, que queres ?
Me castigar? Porque me destes mãos tão finas Pai?
São mãos de princesa, não de combatente
Me deixaste na linha de fogo, sem que eu possa ser
atingida
Como um fantasma
Não me vêem, mas morrem na minha frente
E sangram, e sofrem
E eu não posso sangrar por eles!
Não Pai, você não sabe o que é isso
Corpos murchos, almas ocas
Que mundo zumbi, que carência...
Que calma crueldade tem sido o nosso tempo
No fundo eu sei que qualquer hora
Aparece um menino com um recado teu
E ele dirá que tu não vens...
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